Planetas errantes em rota de colisão com a terra, chegada de ETs, tempestades solares, profecias inventadas... some todos esses ingredientes e construa a teoria mais popular da internet. O que há de verdade (se é que há alguma) no chamado apocalipse Maia.
Você temeria o futuro se levasse a vida de Tom Cruise, com mais de US$ 300 milhões no banco e presença garantida na lista de celebridades mais ricas do mundo elaborada pela revista "Forbes"? Então imagine o impacto da notícia, divulgada no ano passado, de que o superastro estaria construindo um abrigo subterrâneo de US$ 10 milhões no subsolo de sua mansão no Colorado. Segundo o relato publicado pela revista "Star", Cruise estaria convicto de que a Terra experimentará um contato potencialmente devastador com uma raça alienígena em 2012. Um porta-voz do ator desmentiu a notícia, mas o estrago foi feito. A história do bunker de Tom Cruise circula a todo vapor pela internet. Os adeptos do debate formam um grupo de tamanho indefinido, que se espalha por todos os continentes, e que acredita que a vida em nosso planeta vai mudar, para pior ou para melhor, em 21/12/2012.
Nessa data se encerra um calendário que era usado pelos antigos maias no auge da sua civilização. Por isso, todo o movimento envolvendo o ano de 2012 é chamado genericamente também de "profecia maia". Enquanto o tal dia não chega, a turma se prepara consumindo livros, documentários, DVDs e palestras. Uma busca pelos termos "2012" e "maya" (em inglês) no Google revela mais de 2 milhões de citações. Isso é a ponta do iceberg de uma riquíssima comunidade, estruturada em centenas de blogs, fóruns, sites, portais e até uma versão particular da Wikipédia, o "2012wiki". Em fevereiro foi lançado nos EUA "2012 - Doomsday" ("2012 - O Dia do Juízo Final") e dois outros filmes devem sair até 2010, um deles sob a batuta do diretor de "Independence Day" (1996), Roland Emmerich. Nos últimos dois anos, pelo menos 18 livros sobre o tema chegaram às prateleiras nos EUA, boa parte com termos como "apocalipse" e "cataclisma mundial" em seus títulos. Por aqui, só no primeiro semestre deste ano foram publicadas três obras.
Essa popularidade é o ponto culminante de um processo que começou há duas décadas. Em 1984, o americano José Arguelles publicou "O Fator Maia". Nele mesclava seus estudos sobre o fim do calendário maia com suas próprias idéias apocalípticas. Arguelles disse que a data marcaria o fim do ciclo do Homo sapiens e o início de uma época ecologicamente mais harmoniosa. E conclamou os leitores a se reunirem em várias partes do mundo nos dias 16 e 17 de agosto de 1987 para meditar e rezar, dando um pontapé inicial para o grande dia que ainda estava 25 anos no futuro. Esse evento, batizado de Convergência Harmônica, atraiu grande atenção da mídia americana e ganhou o apoio de celebridades como a atriz Shirley McLaine. "Arguelles se inspirou em um livro de ficção para criar a convergência harmônica, mas foi ela quem deu início à onda de 2012", afirma Robert Sitler, especialista em cultura maia da universidade Stetson, nos EUA. Arguelles ganhou fama e deu início a um movimento com seguidores no mundo inteiro, inclusive no Brasil. E a New Age ganhou sua própria dimensão profética.
Teorias à la carte
Convergência harmônica: grupo liderado por José Arguelles espera por 2012 desde 1987
De lá para cá, só fez crescer o número de pessoas que têm desenvolvido suas próprias especulações sobre o que vai acontecer na data tão esperada. E para isso vale recorrer a todas as ferramentas. Um belga utilizou a matemática e a mitologia para fazer uma análise comparativa das civilizações maia e egípcia. Concluiu que as duas são originárias de Atlântida e que o fim do mundo será causado por uma mudança no campo magnético da Terra, relacionada ao ciclo de manchas solares. Um ufólogo calculou a distância entre a linha do Equador e a cidade americana de Roswell, onde um disco voador teria caído. Encontrou o valor de 2.012 milhas - sinal, acredita, de que a queda do óvni foi uma mensagem cifrada sobre a data em que os ETs irão se revelar. Outro americano usou drogas psicodélicas e um computador para analisar o I Ching e concluiu que o livro é um calendário de eventos que prevê o fim da história humana em novembro de 2012 (a data foi ajustada depois). Um matemático, também usando um software, encontrou uma profecia codificada no Antigo Testamento falando de um asteróide (ou cometa) que atingiria a Terra. Um jornalista preferiu compilar os dados sobre vulcanismo, terremotos, queda de asteróides, radiação vinda do espaço etc. e concluiu que todos esses eventos devastadores têm forte possibilidade de acontecer em um futuro muito próximo. E é essa discussão, onde cabe tudo, que está entupindo a internet e as prateleiras. "Há muito pouco de maia nessa história. Essas profecias nada têm em comum, exceto o fato de se referirem à mesma data e apostarem numa transformação radical", diz Sitler.
Para o pesquisador inglês Joseph Gelfer, a aposta na mudança seria uma chave para entender essa onda. Gelfer estuda o interesse por 2012 na Austrália e lembra que profecias existem em muitas culturas. "Mas elas se situam num futuro longínquo, não são iminentes. Essa idéia também faz com que algumas das piores características dos nossos tempos, como as guerras ou a mudança climática, sejam vistas como etapas para a transformação", diz.
Outro fator importante é o grande volume de informação pseudocientífica. "Muitos dos que rejeitam os conceitos New Age se interessam pelas profecias de 2012. A maior parte do que se diz sobre o assunto é apresentado como o resultado de rigorosa pesquisa, mas são, na verdade, idéias questionáveis ou pura especulação."
Nas próximas páginas, você vai saber o que os cientistas dizem sobre alguns dos cenários mais debatidos pela comunidade de 2012. E descobrirá o que os próprios maias escreveram sobre a data.
MITO #1 - RESGATE ALIENÍGENA
Quem crê em extraterrestres vê esperança da sua chegada à Terra nas profecias de 2012
Cena de sonho: será que um dia faremos contato com os ETs?
Talvez o grupo que tenha mais esperanças positivas para 2012 seja o dos apaixonados por óvnis. Não dispensam o temor de um cataclisma, mas acreditam que a data irá inaugurar uma nova era para a humanidade, marcada pelo contato com os ETs. Eis um exemplo típico de profecia ufológica, colhida entre as centenas de sites que debatem o tema: "Crescem os rumores de que civilizações extraterrestres estão preparando um evento espetacular em 2012. Ninguém sabe ao certo o que os maias realmente esperavam para o iminente cataclisma. Mas agora muitos centros de pesquisa crêem que a Terra passará por um grande perigo em 2012 e depois. No momento certo, avançadas civilizações extraterrestres resgatarão a civilização humana. De acordo com pesquisadores, a Federação do Universo, representando todas as 88 constelações, virá oficialmente visitar a Terra. Isso porá um fim à ocultação de óvnis em todos os continentes".
O editor da revista "UFO", Claudeir Covo, vê tudo isso com o senso crítico de quem estuda ufologia há 42 anos. "Em 1999, também havia uma grande expectativa de contato. Isso só serviu para mostrar o quanto de fantasia ainda existe." Ele descarta os relatos daqueles que dizem ter sido avisados pelos próprios ETs de que 2012 será o ano em que faremos contato. "Já conheci e entrevistei quem alega se comunicar com alienígenas. Nunca vi uma evidência que me convencesse." Covo lembra de um caso ocorrido no ano passado. Sua revista publicou o relato de uma pessoa que afirmava ter recebido uma mensagem assegurando o contato iminente. "Evidentemente, nada aconteceu e a pessoa sumiu. Não acho que vá acontecer algo em 2012."
MITO #2 - PROFECIA MAIA
Textos originais são vagos e dão margem a todo tipo de interpretação. Foi o que bastou para a sua usurpação e a criação do mito contemporâneo sobre o Apocalipse
O calendário de conta longa é apenas um entre os vários que os maias usavam. Assim como os nossos meses, anos e séculos, ele se estrutura em unidades de tempo cada vez maiores. Cada 20 dias formam um "mês", ou uinal. Cada 18 uinals, 1 tun, ou "ano", cada 20 tuns faziam um katun e assim sucessivamente. Enquanto o nosso sistema de contagem de séculos não leva a um fim, o calendário de conta longa maia dura cerca de 5.200 anos e se encerra na data 13.0.0.0.0, que para muitos estudiosos (não há um consenso a respeito) corresponde ao nosso 21/12/2012.
Isso não significa que eles esperassem pelo fim do mundo naquele dia. "Os povos ameríndios não tinham apenas uma concepção linear de tempo, que permitisse pensar num fim absoluto", diz Eduardo Natalino dos Santos, professor de história da América Pré-hispânica da USP. Ele diz que há textos míticos maias que falam em idades anteriores ao aparecimento da humanidade atual, e afirmam que a era atual duraria 5.200 anos. "Mas em nenhum lugar se diz que o ciclo que estamos vivendo seria o último." A maioria dos estudiosos acredita que, após chegar à data final, o calendário se reiniciaria. Assim como, para nós, o 31 de dezembro é sucedido pelo 1 de janeiro, para eles o dia 22/12/2012 corresponderia ao dia 0.0.0.0.1.
Entre os milhares de textos maias conhecidos, há apenas um que faz menção à data. Uma inscrição encontrada na ruína de Tortuguero (Costa Rica) diz que nela virá à Terra Bolon Yokte K'u, deus associado à guerra e à criação. Um indício indireto da mesma profecia está nos "Livros de Chilam Balam". Escrita por vários autores após a conquista espanhola, a obra traz previsões para os katuns que, num outro sistema de contagem de tempo, se repetem a cada 256 anos. Para o katun associado a 2012, o livro prevê a chegada de vários seres, entre eles "aquele que vomita sangue" e o deus Kukulcan, muito popular na América Central.
Mas mesmo esses textos talvez não correspondam ao que entendemos por profecias. Natalino diz que, embora os maias tivessem uma visão qualitativa do tempo - havia períodos "benéficos" e "maléficos" - isso não implica que fossem fatalistas. Os finais dos ciclos eram datas religiosamente importantes, pois num deles a idade atual poderia terminar. "Mas os sacerdotes podiam realizar certas práticas que assegurassem a continuidade do mundo", explica Natalino. Ele diz que no período colonial e depois houve rebeliões populares inspiradas pelas profecias de Chilam Balam. "Mas basta dar um pulo à América Central para ver que os maias de hoje estão cheios de projetos e nem um pouco preocupados com 2012."
UM OUTRO OLHAR SOBRE O TEMPO
Conheça as diferenças entre o calendário gregoriano, adotado no Ocidente, e a maneira usada pelos maias para medir o tempo
FOLHINHA
Como os maias registraram 27/12/724
MITO #3 - INVERSÃO MAGNÉTICA
Mais uma carga de lenha na fogueira de 2012: suposto enfraquecimento do campo magnético terrestre levaria à incidência letal de partículas solares A luz e o calor produzidos pelo Sol tornam a vida na Terra possível. Mas, se não fosse pelas defesas que temos contra a radiação e o fluxo de partículas que chegam continuamente vindos da estrela, também não estaríamos aqui agora. Uma das principais defesas de nosso planeta é o seu campo magnético. Explicando de maneira simples, ele possui dois pólos, um norte e outro sul, que atualmente se situam mais ou menos perto dos pólos geográficos. Mas os geofísicos sabem que, de tempos em tempos, as polaridades se invertem, isto é: o ponto onde fica o pólo sul magnético se torna o ponto do pólo norte, e vice-versa. "Sabemos que centenas de inversões aconteceram no passado, mas não se sabe o que as causa", diz Eder Molina, professor do Instituto Astronômico e Geofísico da USP. A mais recente inversão ocorreu há 700 mil anos. E a próxima talvez esteja a caminho. "Sinais sugerem que alguma coisa está acontecendo. A intensidade do campo entre os pólos norte e sul está diminuindo. Acredita-se que essa diminuição possa ser parte de um processo de reversão, embora isso seja apenas uma hipótese."
A ocorrência de uma inversão súbita dos pólos magnéticos terrestres é um dos cenários apocalípticos previstos para 2012. Será isso que os cientistas estão detectando? "Não", diz Molina. "Os indícios sugerem um processo muito gradual, que levará talvez milhares de anos. Nós conhecemos muito bem o campo magnético terrestre, graças ao mapeamento feito por observatórios e satélites. Essas informações nos ajudam, por exemplo, a procurar petróleo e minerais valiosos. Se uma mudança brusca estivesse ocorrendo, já teria sido detectada." Molina afirma que veríamos muitos sinais, sob a forma de problemas nas telecomunicações e o desligamento de usinas elétricas. Não haveria como esconder um problema desses, pois o que estaria em jogo seria a sobrevivência da civilização. Mas não vemos nada disso por aí.
ESCUDO DE FORÇA
Entenda a atuação do campo magnético terrestre e suas variações imprevisíveis
MITO #4 - CICLOS SOLARES
Aparente hiperatividade do astro alimenta especulações sobre bombardeio radioativo. Mas a estrela está se comportando conforme o previsto Muitos dos cenários para 2012 baseiam-se na idéia de que o Sol estaria passando por um período de atividade sem precedentes. Os defensores dessa tese ressaltam o fato de que, entre 28 de outubro e 4 de novembro de 2003, ocorreram algumas das maiores explosões solares já registradas. Em 20 de janeiro de 2005, a Terra registrou o maior bombardeio de partículas de alta energia oriundas do Sol. Como 2005 foi o ano do furacão Katrina, há quem vincule os fenômenos, sugerindo que o clima é governado por variações na atividade solar. Como a previsão dos astrofísicos é de que 2012 registre um ponto de alta atividade em nossa estrela, há quem acredite que a soma de tudo isso seja uma catástrofe.
As variações na atividade solar são causadas por mudanças na configuração do campo magnético que ocorrem a cada 11 anos. Para Adriana Silva Valio, pesquisadora do Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie, basta dar uma olhada nos dados dos últimos oito anos para ver que o Sol tem se comportado normalmente. De lá para cá, a atividade reduziu-se, e a tendência é que, nos próximos anos, volte a se intensificar, alcançando patamares elevados em 2012. Tudo isso está dentro do esperado.
O decréscimo da atividade aconteceu mesmo com as superexplosões de 2003. "O fato é que a tecnologia para acompanharmos o fenômeno é muito recente. Talvez eventos semelhantes tenham acontecido no passado", afirma Adriana. Ela também diz que o ciclo solar de 11 anos, por si só, não parece ser capaz de afetar significativamente o clima da Terra. "No ponto de maior atividade, a quantidade de energia solar recebida pela Terra cresce apenas 0,1%."
Porém, ela diz que fatores desconhecidos e ligados ao Sol parecem sim afetar o clima na Terra. "No século 18, o Sol não apresentou manchas por sete décadas. O mundo ficou mais frio, e os canais de Veneza congelaram. Mas parece que para que mudanças assim ocorram levam décadas ou mesmo séculos", diz.
USINA DE ENERGIA
Diferença de velocidade na rotação do astro faz com que a atividade solar varie em ciclos de 11 anos
MITO #5 - NIBIRU
Hipotético décimo planeta do Sistema Solar (há quem diga que se trata de uma outra estrela) estaria rumando de encontro à Terra. Acredite se quiser? Melhor não
Muito antes que a data de 21/12/2012 começasse a tocar corações e mentes, o israelense Zecharia Sitchin começou a divulgar suas idéias sobre a origem da Terra, inspiradas, segundo ele, na decifração de antigos textos babilônicos. De acordo com Sitchin, há em nosso sistema solar um objeto que a ciência moderna desconhece e que os antigos chamavam de Nibiru. Esse objeto, que pode ser um planeta ou uma pequena estrela, passaria próximo ao Sol a cada 3.600 anos. Sitchin afirma que, em uma dessas passagens, uma colisão entre um de seus satélites e um planetóide que existia entre Marte e Júpiter teria dado origem à Terra. Outros autores passaram a usar as idéias de Sitchin nos anos 1990. Eles dizem que Nibiru vai passar por perto de nosso planeta em 2012, e a atração gravitacional entre os dois resultará em dilúvios e terremotos.
Para Carlos Henrique Veiga, astrônomo do Observatório Nacional, é possível que existam planetas ainda desconhecidos no Sistema Solar. Poderiam ter, inclusive, algumas das características atribuídas a Nibiru, como um período muito longo e órbita extremamente elíptica. "Mas as órbitas de planetas não se sobrepõem umas às outras. Esse cruzamento só ocorre com cometas e asteróides." Quanto à segunda possibilidade, a de que Nibiru seria uma estrela se escondendo nas vizinhanças, Veiga diz que sua presença causaria uma alteração na dinâmica do Sistema Solar. "Tanto ela quanto o Sol teriam que girar ao redor de um centro de massa. Os planetas girariam em torno das duas ou desse novo ponto central. Não é isso que estamos vendo", afirma.
Outro cenário sugere que, em 21/12/2012, o Sol, ao nascer, estaria alinhado com o plano da Via-Láctea. Nessa posição, receberia algum tipo de irradiação misteriosa vinda do centro da galáxia. Essa informação, porém, é contestada até por autores de populares livros sobre 2012, como o astrônomo John Major Jenkins. O que é verdade é que o Sol está cruzando o plano da nossa galáxia, mas isso não é motivo para preocupação. "O centro da Via-Láctea está a quase 30 mil anos-luz de distância. Por isso, esse posicionamento não deverá trazer maiores conseqüências. No máximo, pode favorecer a atração de cometas e asteróides em direção ao Sol", diz Veiga.
A GRANDE VIAGEM
Os astrônomos nunca o observaram, mas há terráqueos que juram já ter visto Nibiru viajando pelo Cosmos
A órbita de Nibiru cruzaria com a da Terra em 2012
PARA LER
• Apocalipse 2012, Lawrence Joseph. Editora Pensamento
• O Cataclisma Mundial em 2012, Patrick Geryl. Editora Pensamento
• O Fator Maia, Jose Arguelles. Editora Cultrix
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