quinta-feira, 21 de abril de 2011

O Mito de Tiradentes

Prisão de Tiradentes, de Antônio Diogo da Silva Parreiras. Herói ou mito construído?

Era uma manhã que nascia ensolarada no Rio de Janeiro de 21 de abril de 1792. O sentenciado saiu da cadeia pública. Seus olhos ficaram momentaneamente ofuscados pela claridade, mas em pouco tempo pode ver o espetáculo armado pela Coroa portuguesa.
Percorreu a pé os metros que o separavam do patíbulo, armado no Largo da Lampadosa. O homem, magro e alto, sem qualquer beleza, com a cabeça e barbas raspados, caminhava acompanhado por uma fanfarra e por toda a tropa. O povo que se juntava a volta, estava pronta para o espetáculo.
Subiu a pés descalços os degraus de madeira do patíbulo. Lá em cima estava o oficial da Coroa, o padre e o carrasco com seu rosto coberto. O padre fez suas orações, ofereceu o crucifixo para o condenado beijar. Assim ele o fez. O carrasco, um sujeito alto e forte aproximou-se. Era o negro, que tinha por nome Capitânia e pediu a ele o perdão por cumprir a sentença. Era apenas praxe, uma fórmula no processo de execução. O sentenciado, num gesto que causou surpresa, beijou os pés e as mãos de Capitânia
Martírio de Tiradentes, Francisco Aurélio
de Figueira e Melo
O carrasco passou o laço pelo pescoço do condenado, ajeitou-o acima da abertura no piso, e após a liberação do oficial, a alavanca foi puxada. E o corpo despencou. A corda não era longa o suficiente para, na queda causar uma morte imediata, quebrando o pescoço. O sujeito agonizou por algum tempo. Até que acabou.
O corpo foi elevado e o carrasco, pegando um machado, desferiu o primeiro golpe no corpo nu, estendido sobre o patíbulo. Assim a cabeça estava separada do corpo.
A um sinal do oficial da Coroa, o carrasco aguardou. O oficial se aproximou, recolheu um pouco do sangue do morto, e com ele lavrou a ata de cumprimento da sentença.
O espetáculo sinistro continuo, com o carrasco separando a machadadas os braços e as pernas, enquanto o oficial anunciava os locais onde ficariam expostos as partes do corpo, a destruição de sua casa e o salgamento do terreno e a infâmia que recairia sobre ele e seus descendentes.
O espetáculo, que a Coroa esperava impressionar a população e dissuadi-la a se revoltar, causou em parte efeito contrário: muitos ficaram irados com a barbárie praticada em clima festivo.
 Assim morria o alferes Joaquim José da Silva Xavier, um membro menor da Conjuração Mineira. E nascia, cerca de cem anos depois, o mito, o Tiradentes, o herói criado pela República que se instalava no Brasil.

Tiradentes, apelido que ganhou devido à profissão de dentista e barbeiro, teve contato, assim como muitos outros na região das Minas Gerais, com as ideias do Iluminismo europeu. Ideias de participação e liberdade política. Claro que essas ideias, tão vangloriadas atualmente, na época restringiam essa liberdade apenas à burguesia e aos ricos proprietários de terras. Quando o movimento ganhou ares de revolta, o máximo de liberdade que se pensava, por exemplo em relação à escravidão, era libertar os negros nascidos aqui; a escravidão continuaria na República Mineira.
Sim, República Mineira. Outro mito que se construiu em redor de Tiradentes é que o movimento objetivava libertar o Brasil do jugo português. Mito. O movimento queria libertar a região de Minas e, se tivesse sucesso, o Rio de Janeiro, para ter uma saida para o mar. Não existia o conceito de Brasil como nação, outras capitanias eram tão estranhas, com pouco contato como se fossem outro país. Além do que, os conjurados não tinham recursos e contatos para estender a planejada rebelião para o resto da colônia.
Outro mito é que Tiradentes era o líder do movimento. Não era. Na verdade, muitos o viam como perigoso. Tiradentes ficou encarregado de aliciar pessoas para o movimento e, muitas vezes, ao invés de agir com discrição, falava abertamente nas tavernas a respeito da revolta e dos benefícios da República. Daí vem um de seus outros apelidos: Republicão. Se o movimento tivesse êxito, a república formada seria governada por três anos por Tomás Antônio Gonzaga, quando então haveria eleição. Se Tiradentes fosse o líder, não deveria ser ele o presidente? Além disso, ideias defendidas por Tiradentes não foram aceitas por todos no movimento, o que denota uma participação mais secundária.
Quando todos estavam presos e corriam as inquirições todos negavam participação e principalmente, liderança. O único, talvez por ser o mais simplório e idealista, que admitiu participação foi Tiradentes. Quando os outros começaram a jogar sobre ele a posição de liderança, ele idealisticamente, assumiu.
Em 18 de abril de 1789, na leitura da sentença, que durou dezoito horas, vários foram condenados a degredo e onze ao enforcamento. Na sequencia, quando todos os sentenciados acusavam-se mutuamente, blasfemavam e xingavam, foi lida a carta de clemência da rainha D. Maria I: dez condenados tinham suas penas comutadas para degredo; o único sentenciado a morte seria o mais pobre do movimento, aquele que não era de família importante e nem tinha influência, Joaquim José da Silva Xavier.
A figura mítica de Tiradentes começou a ser construída com o início do movimento republicano. Era preciso encontrar uma figura que pudesse encaixar-se no perfil de herói, para representar os ideias republicanos. Esse perfil se encaixou-se em Tiradentes: tinha sido morto por um governo monarquista pois lutava pela república.
Tiradentes esquartejado, de Pedro Américo.
Tiradententes comparado a Cristo crucificado
Essa “construção” é ainda mais marcante na escolha da cara para esse herói. Não existe qualquer retrato contemporâneo de Tiradentes. Ainda assim, ele passou a ser representado, no momento do enforcamento, como uma figura altiva, um herói romântico, com cabelos e barbas compridos. O objetivo era buscar no imaginário popular brasileiro, marcadamente católico e cristão, uma outra figura com as mesmas características: Jesus Cristo. Seria muito mais fácil trazer a admiração do povo se Tiradentes tivesse as mesmas características de Cristo: idealismo, entrega total por suas idéias, além de ter as mesmas características físicas.
Tiradentes é descrito, por relatos contemporâneos como “alto, magro e feio”. Como foi alferes, é muito difícil que tenha tido barba comprida, já que era permitido aos soldados, no máximo um bigode discreto.
Alguns acreditam que teria chegado ao visual tradicional depois de ter ficado três anos preso. Também é impossível, já que no inventário dos objetos que tinha em sua cela constam lâmina de barbear e espelho. Além disso, a Coroa portuguesa mantinha seus presos com cabelos e barbas raspados devido às infestações de piolho.
Um ótimo livro que discute a formação do ideário republicano no Brasil, sobretudo a formação da figura de Tiradentes é A Formação das Almas – O imaginário da República no Brasil, de José Murilo de Carvalho.

2 comentários:

  1. De qq forma, vimos como a igreja esta sempre ao lado do poder, e eh hipocrita como sao alguns dos piores politicos de nosso tempo...

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  2. Tiradentes foi um guerreiro !
    ii heroi nacional

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